Neimar Machado de Sousa (FAIND/UFGD)
As informações desencontradas e contraditórias, que chegam da área indígena atacada de Kurusu Ambá, cruz sagrada em Guarani, no município de Coronel Sapucaia – MS, nos ensinam, a partir dos rincões abandonados pelo Estado na fronteira Brasil – Paraguai, algumas lições.
A região está abandonada porque as crianças dessa área, vítimas da omissão estatal, têm de andar mais de 20 km todos os dias para chegarem à escola mais próxima, na Reserva Indígena Taquapery. O Estado, ausente, nega-se a construir escola para atender as crianças desta aldeia, mesmo existindo amparo jurídico para tanto, conforme a resolução SED/MS n. 2961/2015.
Abandonada porque, mesmo após decisão do Tribunal Federal Regional da 3ª. Região, de 2010, permitindo que as famílias permaneçam ilhadas em 10 ha da área total, a não demarcação definitiva pelo Ministério da Justiça não permite a quantidade de terra suficiente para o cultivo e a criação de animais que garantam a mínima segurança alimentar.
Abandonada porque “seguranças” particulares circulam a bordo de camionetes impunemente como se fossem policiais, e no lugar destes, pelas estradas de terra da região, parando veículos, exigindo documentos, normalmente exibindo armas. Estes seguranças já mataram velhos e já atropelaram crianças, montados em suas picapes. Esses seguranças e a tensão que geram impedem até os profissionais de saúde de chegarem ao local. O caso foi levado ao conhecimento do representante da ONU no Brasil, Dr. Wellington, no dia 18 de julho de 2007, mas não foi o suficiente para o Estado apresentar-se para estes brasileiros.
Por estas e outras, ao menor sinal de desaparecimento, as famílias indígenas temem pelo pior. Foi o caso da notícia da criancinha carbonizada, filha de dona Tereza. Indica que há violência histórica na região e assassinatos não apurados pelo Estado brasileiro. A lista é longa, mas citamos aqui Xurite Lopes e Ortiz Lopes, assassinados nesta área, além das crianças que morreram de fome, vítimas da desassistência, desde que estão acampados na região (2007). Os casos de desnutrição têm nome, citamos um: Gleide Bairro, 1 ano e seis meses (CIMI, 2007).
Neste momento, segundo Elizeu Lopes, liderança kaiowá e estudante indígena, dona Tereza e seu bebê já foram encontrados e passam bem, muito embora ainda há duas crianças desaparecidas: uma de 10 e outra de 11 anos. A confusão toda ocorreu após ataque de “fazendeiros” armados em camionetes na noite de ontem (24). Dispararam tiros na direção dos índios e atearam fogo, utilizando óleo diesel, nos barracos das famílias indígenas com o objetivo de expulsá-los da área. O fato ocorreu mesmo após acordo firmado com o Ministério Público Federal na noite de 22 de junho, representado pelo procurador federal Ricardo Pael, de Ponta Porã – MS, quando os índios ocuparam a sede da Fazenda Madama.
A área reivindicada de kurusu ambá é de 18 mil hectares, mas a comunidade sobrevive em uma pequena parcela de 10 hectares. Os indígenas foram expulsos da região pelos fazendeiros Arturio Vargas, Dorival Vargas e Pedro Alves, na década de 1950, segundo o xamã, nhanderu, Leonel Lopes, nascido no tekoha em 1930 e expulso quando tinha 29 anos. O território é uma área de retorno, jaike jey, das diversas famílias grandes que, após exploradas na derrubada, changa, e exploração da madeira em serrarias e fazendas como, por exemplo, a Madama, foram removidas sob intimidação e contra a vontade para as reservas indígenas localizadas em Coronel Sapucaia (Taquapery), Amambai (Limão Verde), Paranhos (Pirajuí), Dourados (Bororó e Jaguapiru), Tacuru (Jaguapiré e Sassoró), entre outras. Uma vez removidas para áreas onde não se adaptavam, por razões religiosas, sociais e econômicas, começam a caminhada, oguatá, de retorno aos territórios onde nasceram e foram expulsos, o tekoha (lugar onde sou-existo). Entre 2007 e 2010, 40 anos após serem expulsos da área, os Guarani e Kaiowá resolveram retornar definitivamente e, novamente, foram expulsos por quatro vezes de Kurusu ambá. Os assassinatos ocorreram durante estas retomadas: Xurite Lopes, Ortiz Lopes e Oswaldo Lopes.
Essa caminhada de retorno e ascensão é prática secular, registrada pela literatura etno-histórica, entre os povos tupi-guarani, sendo expressa pelos kaiowá como o caminho para a perfeição, o aguyje, e a vida santa, o teko marangatu.
A omissão do poder público em chegar a uma solução para o impasse se configura, na lógica indígena como pecado, teko vai, e na esfera jurídica como prevaricação, lançando crianças, mulheres e idosos num caminho sem volta rumo ao genocídio.
Neste momento, mais de 75 pessoas estão espalhadas ao relento pelas matas de Kurusu ambá passando frio, sem comida e sem água. Possuem apenas o futuro incerto sem a demarcação das terras.
Qual é o futuro dos índios? Recorremos às suas narrativas míticas, nhande rembypy, ir para o futuro é voltar ao passado heroico onde viveram alegres e na abundância seus antepassados, os avós, nhande ramõi, os seus irmãos gêmeos, o sol e a lua, kuarahy e jasy.
Que os gêmeos continuem protegendo-os dos predadores, jaguaretê, nessa caminhada!
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