Neimar Machado de Sousa

Os bugres ou bárbaros foram o flagelo mais temido da Europa cristã. A solução pensada para eles era a conversão ao cristianismo ou a derrota militar. Foram os maiores cabo eleitorais de Caio Júlio Cesar no caminho até a cadeira de imperador. A história toda foi comentada por Cesar em pessoa no livro De Bello Gallico. Não aceitaram perder suas terras para os colonos romanos e para os cristãos após conquistados pelas legiões romanas, principal ferramenta da economia imperial. Vercingetórix, chefe dos grandes guerreiros na língua gaulesa, liderou uma revolta contra a dominação romana no ano de 53 a.C. A guerra permanente e seu produto, a escravidão, eram o sangue que movia a economia romana. Enriquecia o senado romano, empregava os camponeses sem terra e exportava os pobres do Império para bem longe dos senadores. Ninguém acreditava que este sistema chegaria ao fim, pois durou mais de mil anos. Entre os bugres mais conhecidos estava Vercingetórix. Ele tampouco aceitava a escravidão de seu povo e a remoção de suas terras sagradas.
Naqueles tempos bizantinos, os bugres habitavam tradicionalmente as terras da atual Bulgária, por isso receberam este nome. Este nome designava tudo que os romanos abominavam.
Com as guerras de reconquista na Espanha e Portugal, os bugres foram associados aos mouros. São Tomás de Aquino jurava que eram o diabo em pessoa e escondiam o chifre com turbante e o rabo com a túnica.
A primeira vez que o termo bougre foi registrado foi em 1172. Sua origem vem do latim medieval, bulgarus. Seu significado já poderíamos imaginar, herético, infiel, silvícola, enfim, resumia tudo que a sociedade europeia abominava.
Os bugres foram simbolicamente transferidos por Cristóvão Colombo (1492) para as matas americanas e associados aos ameríndios. Deveriam ser removidos para as missões, escravizados nas minas e convertidos à fé cristã. Sua principal qualidade, segundo o frade dominicano Juan Gines de Sepúlveda, era a animalidade, pois tinha certeza que não tinham alma, nem disposição para o trabalho e muito menos as bênçãos de Cristo. Eram dados somente ao vício da cachaça.
Não foi a toa que Dom João VI declarou guerra para exterminar os índios botocudos em 1683, chamandos-os de bárbaros.
O século XX trouxe consigo a modernização da economia, da política e das mentalidades. A chegada da estrada de ferro (1914) e as linhas telegráficas com general Candido Mariano Rondon (1911) removidos os índios das aldeias para as changas no estado que ainda tinha Mato Grosso, transformando-os gradativamente em bugres, fato que barateava sua mão-de-obra.
Após a conclusão dos trabalhos pesados eram removidos para as cidades ou para as reservas e declarados oficialmente bugres, ex-índios, integrados entre os trabalhadores mais pobres da sociedade nacional. Ali aguardariam a próxima changa: carregaramento do raído de erva-mate, destocamento das terras para o plantio de soja e milho mecanizado e o corte da cana.
Os que teimosamente permaneciam nas poucas matas restantes foram declarados paraguaios, comunistas e oportunistas manipulados por organizações estrangeiras, sugeitados pela violência de pistoleiros ou à criminalização.
Um dia destes encontrei um destes bugres, sr. Aurélio Pinto de Arruda (80), conhecido na cidade de Dourados como bugrão. Ao encontrá-lo, velho e doente, perguntei: - seus parentes vieram da Bulgária? Disse que não. Contou-me que era kaiowá de Dourados. Narrou-me que o chefe de posto, Sardinha, dizia que havia índios bandidos na aldeia, pois se envolviam na política, dizendo que os índios precisavam de mais terras. Falou também que trabalhou por anos como empregado do chefe de posto, realizando os trabalhos de campeiro, agricultor e carregador de cadáveres em carroça. A roça que cuidava dentro terra indígena pertencia ao chefe, não índio. Contou que aprendeu a trabalhar no campo ainda garoto quando foi levado de sua casa para os galpões de meninos índios para aprender a trabalhar, em troca de comida e alguma roupa.
Curiosamente, sr Aurélio e muitos outros índios continuam negando o destino de bugre mais de dois mil anos após o teje preso de Vercingetorix, proferido pelo político romano Julio César.
Talvez eles saibam o que veio depois da derrota dos bugres. Perda das terras, a escravidão dos trabalhadores, a violação das mulheres e a assimilação da identidade.

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