O calendário tradicional guarani é marcado por rituais sincronizados com a astronomia e os ciclos da natureza. Uma das datas deste calendário é o Temitỹ Ára, tempo do plantio.

Desde 2008, na Aldeia Teý’ikuê, no município de Caarapó (MS), o calendário das escolas da aldeia, Yvy Poty e Nhandejara Polo, prevê uma atividade com os anciãos, os mestres tradicionais (nhanderu e nhandesy), uma aula especial em torno do dia 24 de junho. Trata-se da cerimônia do Temity Ára (dia do plantio). O dia 24 de junho, ou mais precisamente, o solstício de inverno, é o início do ano no calendário Guarani e Kaiowá. Durante esta cerimônia realiza-se o ritual do batismo da terra e de todas as sementes tradicionais que serão plantadas, além de praticadas as rezas (nhembo’e) para purificação das roças (kokuê).

Segundo os professores indígenas desta aldeia, este ritual é necessário porque as plantas são semelhantes a crianças recém-chegadas na comunidade e que precisam ser recepcionadas com grande alegria e esperança para que garantam de forma saudável e satisfatória o sustento de toda a aldeia. O alimento saudável, sem veneno, torna as pessoas saudáveis, lembrou o sr. Lídio Sanches, mestre tradicional kaiowá.

A semente plantada, quando estiver na época da colheita no caso do milho branco possibilita realizar o jerosy puku (ritual de longa duração) e jerosy mbyky (ritual de curta duração). Assim reverenciam a Jakairá (divindade que cuida das plantas) porque ele é o dono (jára), segundo os antepassados, de todas as sementes existentes na terra e, desta maneira, os Guarani e Kaiowá, realizam esta cerimonia para invocar a sua presença praticando o cultivo de maneira tradicional e reiniciando um novo ciclo, um novo ano (Áry Pyahu).

A preparação desta cerimônia leva vários dias e envolve toda a comunidade. Entre os preparativos para o batismo das sementes, há a preparação da chicha, servida durante o ritual, e outros alimentos tradicionais como: locro (canjica com carne), chicha (bebida tradicional de milho), pirekái (mandioca assada), jety mbichy (batata assada), avati mbichy (milho verde assado), pira mbichy (peixe assado) e outras iguarias.

A manutenção desta prática pela comunidade é momento de reflexão e aprendizado sobre a importância da compreensão da cosmologia Guarani e Kaiowá.

O temity ára anuncia a proximidade da primavera, chamada da ÁRY POTY, e que, portanto é preciso começar a preparar a terra e as sementes, para o plantio após a geada, o tempo da neblina, dos trovões, ÁRY RATATINA, que antecede as chuvas, momento em que a terra já deve estar pronta para ser semeada.

Se todos os cuidados forem seguidos ritualmente virá a boa colheita, Áry vy’a, ha’e avei áry rory, te’ýi jusu vy’aha. Assim, o tempo reiniciará um novo ciclo, a natureza se renovará, adiando mais uma vez o colapso do mundo, graças à prática dos rituais sagrados.

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

ARAUJO, Adelcio et all.. TE’YIJUSU REKOVE ARANDU JEPAPA. Coronel Sapucaia: Saberes Indígenas na Escola, 2007.

 

NOTAS:

  1. Pesquisa, organização e adaptação: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação (UFSCar) e pesquisador (FAIND/UFGD). Karai Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
  2. O artigo tem objetivo educacional e formato adaptado às mídias sociais.
  3. A grafia adotada para as palavras indígenas segue as fontes consultadas.
  4. ÑE’ẼNDY: nhanderu (rezador); nhandesy (rezadora), temity (plantio), ára (tempo e espaço), Áry Pyahu (novo tempo, novo ano), jára (dono, protetor). DESENHO: VERA, Fidêncio. VELASQUE, Diego. Guarani Rembi’uete. Paranhos, MS, 2019.

Tags: (dono, (novo, (plantio), (rezador), (rezadora), (tempo, Pyahu, ano), e, espaço), Mais...jára, nhanderu, nhandesy, novo, protetor), temity, tempo, Áry, ára

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