TA'U E KERANA: O PROBLEMA DO MAL
Sousa, N.M.[1]
O filósofo Agostinho de Hipona dedicou-se ao problema do mal caracterizando-o como ausência do bem. A filosofia guarani também tratou do assunto na sua antropogonia no mito do Ta’ú e Keraná.
Ta’ú e Keraná são os pais dos monstros legendários da mitologia guarani: Tejú Jaguá, Mbói Tu’i, Moñai, Jasy Jaterê, Kurupi, Aó-Aó, Luisõ.
Keraná, filha do sábio Marangatu, estava na flor da adolescência e seus olhos tinham o movimento das águas quando brincam com o sol. Seu corpo havia sdo concebido pela água e pelos ventos com infinita doçura. Era a jovem mais bela de sua tribo. Mal sabiam que sua beleza traria grandes infortúnios a todos. A jovem, porém, tinha muito sono e passava a maior parte do tempo dormindo.
Da escuridão da maldade, Ta’ú, um espírito mau estudava um meio para enganar a tribo e seduzir a jovem Keraná. Transformou-se em um belo jovem estrangeiro para ingressar na aldeia. Levava uma flauta mágica para despertar a jovem de seu sono pesado. Ao despertar com a melodia daquele homem tão bonito, a jovem ficou enfeitiçada.
Ta’ú caminhava e deixava Keraná embelezada. Era a estratégia maligna da Ta’ú, mas não se dava conta de que Angatupyry, espírito do bem, olhava atentamente seus atos. Ta’ú continuava visitando a aldeia, contava histórias e levava presentes para Keraná. Angatupyry cansado do observar mostrava em sonhos quem era verdadeiramente Ta’u. Keraná ao despertar, contou a Ta’ú o pesadelo que teve. Ta’ú enfurecido iniciou uma briga contra Angatupyry.
A batalha durou sete dias e Ta’ú estava perdendo. Quando Angatupyry daria o golpe final, Ta’ú suplica ajuda de Pytãjovái que envia ventos de fogo contra Angatupyry, adoecendo-o.
Ta’ú ao vencer toca sua flauta mágica anunciando sua volta e Keraná corre para encontrá-lo. Resolve contar a ela seus desejos mais secretos, mostrando quem era de verdade. A jovem tenta fugir, mas Ta’ú não a solta. A tribo ouve seu pedido de socorro, mas Ta’ú era muito ágil e desaparece com a jovem na mata.
Ta’ú violenta a jovem, após roubá-la. Keraná chora descontroladamente nas sombras e seus parentes da tribo rogam a Arasy, a mãe do tempo, para que castiguem Ta’ú. Arasy amaldiçoa Ta’ú para sempre e toda a sua descendência.
Após 7 luas do rapto de Keraná, ela deu à luz um filho, mas devido à maldição de Arasy, ao ver seu filho, deu-se conta de que gerara um monstro, o Tejú Jaguá, uma criatura de 7 cabeças de cachorro e corpo de lagarto.
Keraná seguia sendo violada e tinha um filho a cada 7 luas, todos deformados e maus. O segundo filho tinha corpo de lagartixa, cabeça com penas e bico de papagaio. Seu nome é Mbói Tu’i, o protetor dos anfíbios e das flores.
O terceiro filho tinha corpo de serpente e dois chifres que seviam de antenas para hipnotizar pessoas e animais. Seu nome é Moñai, o protetor das matas.
O quarto filho ao nascer era um menino de cabelo loiro brilhante e de pele branca. Sempre carrega um bastão mágico consigo, tem o poder de aparecer e desaparecer. Seu bastão é utilizado para atrair e raptar as crianças. Seu nome era Jasy Jaterê.
O quinto filho era parecido com Ta’ú, tenebroso, boca grande e um falo que era enrolado em torno da cintura como um cinto. Kurupi aterrorizava as jovens que andam pela mata, violando-as e matando. Seus filhos nasciam prematuros e morriam ao completar sete dias de vida.
Keraná vivia entristecida, pois o sexto filho também nasceu de sete meses. Foi o Aó-Aó, andava de quatro pés, tinha corpo de ovelha e cabeça de urso. Era capaz de se reproduzir sozinho, levantava-se sobre suas patas para atacar e se alimentava de carne humana, vivendo nos cemitérios. A única maneira de escapar de seu ataque era subir numa árvore de Pindó, que conhecia rezas mágicas para se proteger do monstro.
O sétimo filho foi o mais perigoso de todos. Tinha cabeça de cachorro com dentes pontiagudos de diferentes tamanhos, corpo muito magro e extremidades humanas. Luisõ vivia nos cemintérios, devorava cadáveres e as pessoas que andam nestes lugares.
Quanto nasceu o último dos monstros, apareceram no céu as Plêiades para lembrar a todos desta história. O nome desta constelação em guarani é Eichu Jaty.
Durante os sete anos que os monstros foram nascendo, a aldeia e toda a humanidade era aterrorizada pelo medo, dor, pranto, fome, sede, enfermidades, fogo e morte. A segunda terra nasceu condenada a infortúnios inevitáveis, Mba’ê Meguá, após a separação dos antepassados imortais e o fim da primeira terra.
Por sete anos seguidos, os sete monstros dominaram a segunda terra que havia sido criada por Nhanderu: Kurupi viola as mulheres, Monãi rouba, Luisõ profana tumbas, Aó-aó assola os rebanhos, Mbói Tuí afasta todos das matas com seus grunhidos e Tejú Jaguá cospe fogo das cavernas. Com tantas desgraças, as pessoas guerreiam entre si e incendeiam as casas umas das outras, preferindo o mal ao invés da bondade.
Tumé Arandu, o profeta, e sua irmã, a deusa da beleza, Porãsy, filhos de Rupavẽ (pai de todos) e Sypavẽ (mãe de todos), a pedido de Tupã (deus do raio e do trovão que resite no bordo ocidental) resolvem ajudar a humanidade a vencer o mal que havia invadido a terra, após receberem a mensagem de Tupã através de Jahari Gua’a, a Arara.
Tumé Arandu comunica o plano à tribo do cacique Marangatu que só poderia ser levado adiante por uma mulher muito bonita, mas ninguém se dispôs. Ele contou seu plano às suas irmãs: Guarasyáva, Tupinambá e Porasy. Apenas a última se dispôs a ajudá-lo.
Porãsy foi até a caverna de Moñai que não a matou devido à sua beleza. Ela disse que queria se casar com o monstro, mas a única condição era a presença de todos os irmãos na cerimônia. Depois de muito pensar, Monãi resolveu aceitar e escolheu a caverna de Tejú Jaguá para o casamento, pois suas deformidades não permitiam que saísse de lá. Ao chegarem à caverna, Porãsy esperou, enquanto Moñai reunia os outros irmãos. O plano de Tumé Arandu estava em curso.
Quando os irmãos se reuniram à noite, fizeram festa, beberam chicha e ficaram bêbados. Fora da gruta estava Tumé Arandu esperando a chegada da alta noite para fechar a entrada. Porãsy começou a sair, mas, apesar de bêbado Moñai gritou: traidora. A envolveu em seu corpo e a levou para o interior. Porãsy, percebendo que não havia outra alternativa, aceitou sacrificar-se, gritou para que fechassem a entrada e ateassem fogo à montanha.
A lembrança heroica de seu sacrifício está sempre no céu, pois o espírito de Porãsy subiu junto às estrelas e aparece todas as manhãs como como ponto luminoso no céu, a estrela da manhã.
REFERÊNCIAS E FONTES:
CADOGAN, Leon. Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.
CLASTRES, Pierre. A Fala Sagrada. São Paulo: Papirus, 1990.
NIMUENDAJU, Kurt. As Lendas da Criação e Destruição do Mundo como Fundamento da Religião dos Apapocúva Guarani. São Paulo: Hucitec-USP, 1987.
IMAGENS:
PATTY P. Ta’ú e Keraná. 2008.
Blake, Willian. Nabucodonosor.
[1] Doutor em educação pela UFSCar. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
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