Neimar Machado de Sousa[1]
A I Mostra Cultural Saberes Indígena na Escola, ocorrida entre 25 a 28 de novembro em Dourados, MS, foi a oportunidade para refletir sobre as relações sociais interétnicas na educação. A análise pode principiar pela constatação do fundamento de que a cultura não é prerrogativa de uma única etnia ou de um único lugar, como sugeriu o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, no século XIX, ao classificar os povos indígenas como sociedades sem história.
Outro elemento que foi possível observar na mostra de trabalhos específicos desenvolvidos por todas as escolas indígenas de Dourados é a redução que ocidente sofre por conta da colonização monocultural da extensão da ideia de humanidade. Explico-me. O cosmo indígena é povoado de entes divinos, sejam eles animais, homens, mulheres e plantas. A profa. Teodora de Souza, da etnia guarani, coordenadora do projeto Saberes Indígenas na Escola em Dourados, explicou que a pesquisa sobre o grafismo indígena, realizada pelas crianças da pré-escola na Escola Indígena Francisco Meirelles, expressa a inspiração nos padrões geométricos dos animais, especialmente peixes, como de expressar o parentesco entre homens e animais, pois cada uma das espécies possui seu jara, dono, protetor, e está relacionado a mitos e qualidades morais. Assim, a pintura corporal e o grafismo indígena exercem funções protetivas, médicas, realçam qualidades físicas e morais, mediante associação com os animais e plantas, além de construírem socialmente o corpo e a mente da indígena e do indígena.
Outra constatação da mostra cultural é a presença dos xamãs indígenas, conhecidos como nhanderu e nhandesy, normalmente traduzidos em português como rezadores, mas também chamados de benzedores pelos não-índios. Isto indica que a política indigenista de assimilação dos índios pela cultura, prejulgada como superiora, imposta no modelo escolar monocultural, levado para o interior das áreas reservadas aos indígenas pelo Estado a partir de 1928, não conseguiu êxito, pois tem acontecido o contrário, ou seja, a canibalização indígena dos currículos escolares e a colonização inversa, descolonização das estruturas formais e externas da escola. Como se isto não bastasse, os professores indígenas, que se reunirão em Brasília na próxima semana, começam a refletir a necessidade da criação de um sistema próprio de ensino, alternativo ao sistema monocultural que pretende elegeu como identidade nacional oficial a dos colonizadores europeus. Alegam que as sociedades indígenas, permanecem indígenas, graças à eficiência da educação tradicional, cujos cuidados para socializar a pessoa começam logo na concepção e se estendem pela vida inteira.
A atividade, realizada na Reserva Indígena de Dourados, área indígena mais populosa do país, mostrou que o lugar dos índios na mídia não é somente nas colunas e noticiários policiais. Decidiram pedir um basta na demonização das outras culturas, estratégia milenar do ocidente cruzadista, fazendo-nos crer que o mal vem de fora e do estrangeiro. Durante a mostra, afirmaram que há beleza em todas as culturas. Para provar isto, realizaram um desfile. Com a mostra, afirmaram que os índios também têm uma culinária refinada e bom gosto, apresentando pratos típicos e oferecendo almoço tradicional com chicha no último dia (28), sábado. Durante a mostra cultural, convidaram também especialistas em história indígena de outras regiões do país. O Dr. Edson Hely Silva, da UFPE, ministrou uma conferência na aldeia para os professores sobre a história dos índios no nordeste, demonstrando que os índios também participaram da construção, mas não apareceram na escrita da história oficial do país. Demonstrou, durante sua exposição a relação dos índios do Nordeste com os Guarani, Terena e Kadiwéu, aqui na região do Mato Grosso do Sul, durante a Guerra do Paraguai (1864-1870).
Atividade contou com um média de 500 participantes todos os dias e foi possível graças ao apoio do movimento de professores guarani, kaiowá e terena de Dourados, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada Alfabetização Diversidade e Inclusão, além das universidades UFMS, UEMS, UCDB e UFGD, mediante a Faculdade Intercultural Indígena, uma de suas unidades. Foram fundamentais a ajuda da Funai, Ceaid, secretaria municipal de educação e dos educadores indígenas e não-indígenas das Escolas Indígenas de Dourados.
Que esta atividade continue e nos desperte do sono metafísico para a beleza da realidade intercultural dentro e ao lado da qual nos movemos todos os dias.
[1] Neimar Machado de Sousa, Karai Guaiguingue, na língua kaiowá, e Karai Marangatu Nhanderova’iguá, na língua guarani, é membro da Comissão Regional Justiça e Paz, doutor em educação pela UFSCar e professor na Faculdade Intercultural Indígena - FAIND/UFGD, em Dourados - MS. Coordena o Serviço de Documentação e Informação sobre os Povos Indígenas. E-mail: neimarsousa@ufgd.edu.br
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