Algumas experiências são tão traumáticas que os protagonistas preferem não contar. Entre estas as remoções forçadas de índios. A anciã Mary Anowtalik esperou até os 81 anos de idade para narrar as memórias da sua remoção forçada pelo governo canadense.

O povo Ahiarmiut foi realocado várias vezes pelo governo do Canadá entre 1949 e 1959. Vinte e um sobreviventes de um reassentamento forçado brutal pelo governo canadense reuniram-se recentemente em Arviat, Nunavut, para um pedido formal de desculpas. Mary Anowtalik, 81, estava lá.

Ela conta que era uma jovem garota na primavera de 1950, quando a polícia chegou com funcionários do governo para arrancá-la de acampamentos de Ahiarmiut Inuit no lago Ennadai, interior de Nunavut, na baía de Hudson. Ela manteve a história longe dos ouvidos do público até agora, pois esperou todos estes anos por um pedido de desculpas pela violência sofrida por toda a sua família.

Anowtalik contou na sua língua, Inuktitut, falada por quarenta mil pessoas no Canadá, que tinham tudo o que precisavam sem a necessidade de lojas, pregadores, enfermeiras e regimento interno. Os anciãos é que ensinavam como viver da terra, caçando e pescando, levando uma vida nômade conforme as estações do ano. Moviam-se em seus caiaques.

Anowtalik se lembra da primavera em que sua família e outros Ahiarmiut estavam secando carne e preparando peles de rena para o verão. Não fazia ideia do que era um avião. Sua família inteira foi levada para um terreno cheio de pedras e à distância viu a escavadeira destruir seu acampamento, a carne e as peles. Virou tudo uma pilha de cascalho.

Os Ahiarmiut foram todos colocados em um avião sem serem informados para onde estavam indo sem ao menos um intérprete para explicar seu destino. Todos foram em silêncio, com exceção de seu irmão que não queria deixar a terra ahiarmiut e por isso foi agredido e colocado à força dentro do avião por um oficial da polícia montada do Canadá. Depois de longas horas de voo foram depositados sem nada, exceto as roupas que vestiam, perto do Lago Nueltin, perto da fronteira atual fronteira os estados de Manitoba e Nunavut. Muitos morreram de frio e fome. Mesmo sendo primavera, a doença era inevitável. "Dois homens velhos, duas mulheres idosas e duas crianças morreram de tosse e gripe", disse Anowtalik. Não era possível sequer enterrá-los apropriadamente segundo os costumes, pois não tinham mais as peles.

História como esta do povo Inuit também aconteceram no Brasil, especialmente durante o período militar (1964-1985). Entre as aldeias removidas e destruídas citamos Rancho Jacaré (1969), Laguna Johá (1989), continua ocorrendo ainda em locais como Ko’enju (2015) e Yvu (2019). A diferença entre os dois Estados é que o governo brasileiro nunca pediu desculpas, não reparou os povos indígenas e ainda dá declarações públicas que estimulam a violência, negam que os índios sejam sequer os primeiros povoadores das Américas, acusando-os de mentirem e aos pesquisadores de inventarem aldeias que nunca existiram.

Assim como contou a anciã sobre os Inuit, aqui os remanescentes que sobreviveram destas aldeias destruídas pelas remoções, privados em subsistência e dignidade, perambulam pelos bairros vizinhos, lembrando-nos o que desejamos esquecer, pedindo pão velho a quem só lhes ofereceu o pão que o diabo amassou.

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

STRONG, Walter. CBC News. Canadá, 2019.

KONEK, Jordan (foto). CBC News. Canadá, 2019.

Tags: forçadas, remoções

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