O romeno Mircea Eliade (1907-86) via o mito como fenômeno religioso, tentativa de o homem retornar ao tempo originário da criação. Lévi-Strauss afirmou que a importância do mito está em sua estrutura que revela processos mentais universais.

O Mito dos Gêmeos é uma base do comportamento humano e das regras sociais dos povos indígenas sob uma perspectiva psicológica.

Há pelo menos quatro versões clássicas do mito dos Gêmeos. A primeira, coletada entre os mbya por León Cadogan está no capítulo VII do Ayvu Rapyta. A segunda foi coletada por Wilson Galhego entre os Kaiowá de Amambai, MS. A terceira é a de Nimuendaju, anotada entre os apapokuva. Ela contém diversos episódios que não figuram nas duas primeiras e que são objeto de mitos separados ou de contos. Uma quarta versão, mais antiga foi coletada por Thevet entre os tupinambá do lado brasileiro, no decorrer da viagem que fez na "França antártica", em meados do século XVI. A versão coletada por Thevet constitui uma preciosa fonte quanto à mitologia dos antigos tupi, desaparecidos a partir do início do século XVIII.

O mito tupinambá apresenta algumas diferenças consideráveis. Uma comparação mais profunda, porém, indica elementos estruturais coincidentes, segundo Piérre Clastres.

De acordo com a explicação inicial de João Aquino, o altar, yvyrai, é enfeitado pelos que cantam e dançam com penas para que os espíritos desçam ali. Podem ser penas de qualquer tipo de pássaro de pequeno porte. Segundo o ancião kaiowá, temos pássaros, guyrá, em nosso corpo. Os brancos chamam de espírito. Quando levamos um susto, este pássaro voa e ficamos doentes. Caso voe de uma vez, podemos morrer, diziam os antigos. Por esta razão, uma criança não pode tomar susto, pois seu pássaro voa mais fácil.

O kaiowá João Aquino prossegue em sua narrativa: “a mãe deste sol (pa’i kwará) e da lua (jasy), porque lua é irmão do sol. Eles eram de Deus, Tupã Nhandejara, mesmo. E eles já estavam prontos para subir ao céu e este homem tinha duas mulheres. E quanto já faltava um dia para iniciar a viagem, perguntou à sua mulher, porque ele possui uma mulher mais nova e outra mais velha.

Perguntou à sua mulher mais velha para saber de quem ela havia engravidado. A mulher mais velha respondeu: esta criança que tenho é sua mesmo, disse para ele. Depois perguntou para a mulher mais nova que não gostou que a primeira pergunta foi feita para a mais velha e ficou magoada. O pai perguntou de quem era a criança que esperava. A mulher mais nova respondeu: a criança que espero não é sua, é de outro Deus. Ela disse isso porque estava brava. O marido achou ruim e não a levou consigo na viagem do dia seguinte. Então o pai começou a sua viagem pelos ares. Três dias depois, a mulher lembrou dele e pensou em segui-lo. O sol ainda estava no ventre de sua mãe e ela confiava nela para encontrar o caminho por havia ido o pai.

A mulher disse ao seu filho: vamos seguinte seu pai ainda hoje. Vamos sim, respondeu o filho. E eles saíram e começaram a viagem em busca do pai. Ha ose oje’oí há’ekwera itua rapykweri.”

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

AQUINO, João. Mito dos Gêmeos. Tradução de João Aniceto. Compilado por Wlson Galhego Garcia. Araçatuba: Faculdade de Odontologia, 1975.

CADOGAN, León. Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.

Clastres, Pierre. A fala sagrada.Campinas: Papirus, 1990.

MINDLIN, Betty. O fogo e as chamas do mito. ESTUDOS AVANÇADOS 16 (44), 2002.

 

NOTAS:

  1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karai Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
  2. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
  3. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a forma das fontes consultadas, acrescidas de acentuação para facilitar a pronúncia.
  4. Metadados: Mito dos gêmeos, kuarahy, jasy, Pa’i Kuará, Nanderuvusu, Nanderu Mba’ekuaá. Imagens: Guarani e Kaiowá de Paranhos, Professores. Guarani Rembi’uete. Dourados (MS): ASIE, 2019.

 

 

Tags: Kuará, Mba’ekuaá, Mito, Nanderuvusu, Pa’i, dos, gêmeos, jasy, kuarahy

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