O SOL CHEGA À CASA DO DIABO. KUARAHY HA ANHÃ.

As mitologias são sistemas hermenêuticos que conferem significado à realidade. O Mito dos Gêmeos é uma destas enciclopédias conservada oralmente há séculos pelos guarani, na qual os heróis da epopeia são o Sol e a Lua.

Concluído o resgate do irmão mais novo, raptado pelos Yrutau e a transformação mágica destas aves de homens em pássaros, os gêmeos Kuarahy e Jasy continuaram sua jornada e chegaram à casa do Anhã, o diabo.

Lá chegando o irmão mais novo disse ao sol, estou com fome. Kuarahy disse: - fique aqui esperando eu tirar algumas bananas do anzol do Diabo, Anhã. Espere aqui e ali ficou a Lua. O Sol entrou na água e foi mergulhando para roubar as iscas do anzol do Anhã. Dizem que o diabo pescava usando pencas de banana como isca para fisgar os peixes em seu anzol.

O sol retirava as bananas com cuidado, pois o anzol tinha um tipo de cola. Para conseguir tirar as bananas, o Sol utilizava uma varinha e o pescador Anhã retirava rapidamente o anzol da água sem as bananas nem o peixe e dizia: - errei. O Diabo começou a ficar nervoso, pois já eram três pencas que perdia sem pescar nenhum peixe, sem saber que era o Sol quem roubava suas iscas.

O Sol ofereceu as bananas ao irmão que se fartou. Depois disse: - agora é minha vez. – Não, disse o sol. O Diabo vai matá-lo e comer. Como a lua era muito teimosa, o irmão mais velho disse: - então vai.

A lua conseguiu pegar a penca de banana na primeira vez, mas na segunda tentativa o Diabo o fisgou e ficou admirado: - este peixe tem pernas ! E bateu na cabeça de Jasy com um pedaço de pau. Como o irmão demorava para voltar, o Sol já sabia o que aconteceu.

O diabo levou a Lua para sua casa e depois de seis dias o Sol também chegou lá. Na casa do Diabo havia um poço onde jogavam os ossos das caças abatidas e o Sol já sabia disso. Chegando lá sentou-se na beira do poço e pedia ajuda para os Urubu e outros animais que ali pousavam. Solicitava que trouxessem os ossos da coluna de seu irmão, mas cada osso que resgatavam do poço era de outros Anhã. Depois chegou o Kupi’i e perguntou ao Sol: - o que faz aqui? Preciso de ajuda para recuperar os ossos de meu irmão Jasy, disse Kuarahy. O Anhã jogou os ossos dele neste buraco após devorá-lo. O Kupi’i disse que poderia buscar os ossos da Lua e fez um caminho com cobertura o local onde estava o esqueleto da lua. Quando chegou de volta, o sol reconheceu os ossos do irmão mais novo e o reconstruiu novamente, colocando-o em pé, vivo.

Resolveram voltar à casa da mãe, pois o sol já conhecia o caminho, mas depois de caminharem bastante encontraram de novo o Diabo e lua já estava com fome de novo. O Sol disse: - vou buscar bananas para você, mas desta vez você não pode ir. Trouxe três pencas de banana para a lua e disse: - vou deixar o Diabo me pescar e você fique aqui.

O Sol foi novamente e não cutucou a isca, mas segurou o anzol e o Diabo ficou contente com o peixe de pernas que havia fisgado. O Diabo is bater na cabeça do peixe, mas o Sol não se mexia e o Diabo desistiu da paulada e trouxe uma cesta grande para levar seu peixe de pernas. Assim foi andando pela mata e o Sol ia pegando galhos pelo caminho para deixar a cesta cada vez mais pesada. O Diabo ficou cansada e deixou a cesta no chão, indo abrir melhor a trilha para não ficar enroscando em seu cesto. Foi longe limpando o caminho e demorou a voltar. Quando retornou, o Sol havia fugido e deixado uma pedra em seu lugar, coberta no cesto.

O cesto tinha um peso enorme e quando o Anhã chegou à sua aldeia, todos ficaram muito alegres, pois pensavam que trazia muito peixe. Ao abrir o cesto e descobrir que era uma pedra, o Diabo ficou bravo e voltou a pescar, mas desta vez não pegou nada e precisou fazer muitos mundéus, armadilha, na mata para caçar.

Durante a caminhada dos irmãos, a Lua reclamou novamente de fome e o Sol resolveu buscar alimento na casa do Diabo de novo. Resolveu mexer numa de suas armadilhas com a mão, mas ficou preso e cada vez que tentava escapar ficava mais grudado. O Diabo voltou olhando as armadilhas ficou tão contente que até cantava. Logo disse ao Sol: - vou pegar uma vara para abatê-lo. O Sol disse ao Diabo: - não faça isso. Vou te dar meu tembetá. O Diabo não aceitou. O sol retrucou: - vou te dar o meu Jeguaka. O Diabo disse: - já estou chegando para te bater. – Aceita meu Kuakuahá ! – Já estou te batendo, gritava o Diabo. – aceita minha irmã, falou o sol. – Nunca mataria meu cunhado, che rovajá ! Respondeu o Diabo.

Você será meu cunhado, cantarolava o Diabo enquando desarmava a armadilha e soltava o Sol. – à tardezinha trarei minha irmã, prometeu Kuarahy. O Sol foi moldar então uma mulher de cera e a fez muito bonita com cabelos avermelhados. Levou à casa do Diabo e disse: - aqui está a mulher para você cuidar.

O Diabo ficou muito contente, trouxe pente, arrumava os cabelos da mulher e deu muitos tipos de comida para a Lua. Quando se despediram do Anhã, recomendaram: não deixem a mulher muito perto do fogo e cuidado com o calor. O Diabo, muito feliz, foi deitar na rede com sua esposa. Como estava frio, fez fogo embaixo da rede para aquece-la. No dia seguinte, a mulher havia derretido e o Diabo ficou tão triste que nem comia mais, pois sua mulher havia morrido.

Anhã foi comunicar o ocorrido ao Sol que lhe prometeu outra esposa. Os irmãos fizeram uma mulher branca das cinzas que também era muito bonita e levaram ao Anhã. Como retribuição, Jasy recebia muitos alimentos. A recomendação ao Diabo foi a seguinte: - minha irmã é muito trabalhadora, cuidem muito bem dela e quando forem banhá-la não esfreguem muito.

O Sol foi embora e os Anhã foram banhar a mulher de manhã bem cedo. Cada um que chegava esfregava uma parte de seu corpo que se desfez num monte de cinzas. Os Anhã começaram a se lamentar de novo, mas os irmãos já estavam longe quase chegando à casa de sua mãe. Lá utilizaram as duas redes tecidas por ela e descansaram seis dias.

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

AQUINO, João. Mito dos Gêmeos. Tradução de João Aniceto. Compilado por Wilson Galhego Garcia. Araçatuba: Faculdade de Odontologia, 1975.

GUASCH, Antonio. Diccionario Basico Guarani - Castellano. Asunción: CEPAG, 2002.

 

NOTAS:

  1. Pesquisa e organização: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação pela UFSCar e pesquisador na FAIND/UFGD. Karai Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
  2. O artigo tem finalidade educacional e formato adaptado às mídias sociais.
  3. A grafia adotada para as palavras tupi e guarani seguem a forma das fontes consultadas.
  4. Metadados:
  5. Imagens: KAIOWÁ E GUARANI, Professores. Paikuara ha Jasy Oikohague. Amambai: Aldeia Amambai, 2012; Sousa, N. M. Monde. Dourados, 2019.

 

Tags: anhã, jeguaka, kuakuaha, kupi’i, tembeta., tovajá

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