Anacronismo! Avaliou o jesuíta examinador da banca de doutorado ao ler a associação entre os bandeirantes e os esquadrões da morte. O avaliador e o historiador Peter Burke estavam com a razão.

Não é de hoje que os milicianos enganam os políticos, derrubam cercas para controlar territórios e atacam populações abandonadas pelo Estado, pisoteando-as como Santiago Matamoros na Espanha e escravizando-as sob a acusação de preguiça e de seguir religião falsa. Quem nos conta esta história é o cacique guerreiro Diego Paraku e o xamã Ñanduabusu, da tribo dos índios Itatines. De acordo com o testemunho deles ao jesuíta Diego Ferrer em 1647, os bandeirantes, chamados por eles de “mamalucos de San Pablo”, depois de deixarem a vila de Piratininga com um papel da câmara de vereadores para buscar ouro navegando os rios do sertão, chegaram à Aldeia Araquay, próximo de rio Miranda, no pantanal matogrossense, para escravizar os índios Guarani e seus vizinhos Guató ao invés de levar ouro.

Os mamalucos ficaram vários dias escondidos na mata, espionando os Guarani, muito mais numerosos. Esperaram a hora da festa para atacar de surpresa, pois suas espingardas valiam mais pelo susto que produziam que pela eficiência tática. Seu trunfo eram os tantos guerreiros Tupi de São Paulo de Piratininga, inimigos dos Guarani, que traziam consigo. Na noite de 08 de setembro de 1647 atacaram. Depois de muitos tiros, pegaram meninos pelos pés e ameaçaram cortá-los de espada ao meio se os seus pais não se entregassem para serem levados acorrentados como escravos para os engenhos de cana em Santo André.

O chefe da milícia que atacou os Guarani chamava-se Ascenso Quadros, capitão-mor da Bandeira de Raposo Tavares, homenageado até hoje como herói em São Paulo. Os bravos mamalucos voltaram imediatamente após o ataque, pois temiam a reação e os reforços das outras aldeias. Alguns índios que conseguiram sobreviver ao ataque, denunciaram a covardia da milícia estrangeira às autoridades espanholas de Assunção, mas não adiantou muito, pois os colonos espanhóis eram associados aos bandeirantes quando o assunto era escravidão indígena. Foram os próprios vizinhos dos índios da cidade de Xerez que mostraram aos mamalucos o local onde estava a aldeia. Após descobertos, os traidores fugiram da justiça espanhola e foram morar em Mogi das Cruzes. Até o governador da Assunção estava envolvido no esquema.

Somente neste ataque fizeram mais de 200 escravos e fugiram ainda de madrugada em suas canoas. Os bandeirantes foram perseguidos vários dias e alguns índios ainda foram resgatados, entre eles o cacique Paraku. A maioria dos índios escravizados morriam na viagem até São Paulo de doenças, fome e frio. A região de Maracajú era conhecida naquele tempo como ossário de índios, resultado dos ataques bandeirantes e dos surtos de peste, trazida pelos colonizadores.

Parece não ser mais crime no Brasil contemporâneo, herdeiro das terras dos índios invadidas pelos bandeirantes, surrupiar terras indígenas, escravizá-los em usinas, contaminá-los com mercúrio e agrotóxico sob pretexto para salvá-los economicamente, purificá-los espiritualmente da preguiça e extirpar à força sua idolatria.

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

SOUSA, N. M. Educação entre os itatines. 2009.

CORTESÃO, J. Jesuítas e Bandeirantes no Itatim. 1956.

 

IMAGENS: Preamento de Índios (Debret, 1830); Monumento às Bandeiras (Brecheret, 1953); Santiago em la Batalla de Clavijo (Catedral de Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, 1750);

 

Metadados: verbete wikipedia.

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