MARCELLINO, GWARINI ATÃ
Neimar Machado de Sousa[1]
Marcellino Alves era seu nome, guerreiro forte na língua tupi, mas não era caboclo. Foi líder da resistência tupinambá contra a expropriação das terras indígenas pelos fazendeiros no sul da Bahia.
Sua luta foi contra os “caxixes”, método violento de expulsão dos índios da terra pelos fazendeiros, alegando estarem agindo dentro da lei para justificar a brutalidade. Este processo aumentou no final do século XIX e início do século XX, devido à fertilidade destas terras. Marcellino ficou conhecido como “Caboclo Marcellino”. Nasceu em 1896, filho de Arcanjo Alves. Segundo seu relato e de seus companheiros de Olivença era descendentes da tribo Tupà.
Contra Marcellino pesam muitas acusações de crimes bárbaros, nunca investigados ou comprovados. A primeira delas foi em 1919, quando foi preso, acusado de assassinado Jacintho Gomes a golpes de facão. Em 1929 teria assassinado sua companheira Maria Conceição, em Porto da Lancha, Olivença. Teria matado-a abrindo-lhe o ventre, retirado uma criança e esquartejando-a, além de ferir mais quatro outras crianças. Foi acusado também de estupros pelo escrivão da sub-delegacia de polícia Olegário de Andrade e Silva, além de conspirador comunista.
A imprensa regional o tratava como famigerado criminoso, lampião mirim e homem que se fez bugre, num claro movimento para descaracterizá-lo como liderança indígena, revelando a compreensão estática da identidade indígena. Estes questionamentos decorrem da mestiçagem de Marcellino com sangue negro. Os maiores questionamentos decorrem de sua condição de saber ler e ser eleitor.
Estas informações fartamente difundidas pela imprensa foram prestadas por José Lemos Netto, fazendeiro interessado em expulsar as famílias indígenas em Barro Branco, entre elas a de Marcellino. Assim se construiu a imagem popular negativa em relação ao caboclo.
Marcellino foi levado a júri em outubro de 1931 e foi absolvido, indignando os fazendeiros e a imprensa que lamentou a absolvição pelo júri, no concelho de sentença. Chamaram-no de famigerado caboclo cuja fama espalhava o terror por toda a região.
Nas primeiras décadas do século XX, os fazendeiros ricos continuam a pressão para transformar o litoral de Olivença como zona de veraneio o que aumentou a pressão para expulsar os índios. Para cumprir este objetivo, em 1929 foi iniciada a construção de uma ponte sobre o rio Cururupe ligando Ilhéus a Olivença. A acusação de assassinato surgiu no mesmo ano que Marcellino e os caboclos reagiram contra a construção da ponte, pois traria grandes dificuldades ao facilitar ao cesso às suas terras. A repressão contra os índios foi violenta e bárbara.
A perseguição contra Marcellino e demais Tupinambá se intensificou com a acusação de infiltração comunista à época da Intentona Comunista e ameaças de ataque indígena a Olivença. Os índios foram acusados de conspiradores devido à presença de dirigentes comunistas que foram para o Posto Indígena Caramuru em busca de refúgio, onde se inteiraram do desejo indígenas em retornar aos territórios dos quais foram expulsos muito antes do comunismo, desde o século XVI no Recôncavo Baiano, e das missões, à época da expulsão dos jesuítas (1759) e desmobilização das missões.
A origem dos conflitos está relacionada à área reservada para o Posto Indígena pelo governo do estado da Bahia em decreto de 09/03/1926, assinado pelo governador Francisco Marques de Góes Calmon. O decreto previa a suspensão da medição de terras devolutas na região que seriam destinadas às povoações indígenas tupinambá, patachó e outras que ali habitavam.
Em final de abril de 1937 foi anunciada a chegada do Capitão do Exército Moysés Castello Branco Filho, oficial do serviço geográfico, com o intuito de, junto ao governo do Estado, discutir a demarcação das terras indígenas. Os fazendeiros foram convocados a apresentarem seus títulos. O resultado foi a redução das terras indígenas e muitas políticos e autoridades policiais que se apossaram da maior parte das terras até então pertencentes aos índios. A partir de então, se instituiu a prática por parte do chefe de posto de arrendar as terras do posto ilegalmente, até que em 1974, o governador Antonio Carlos Magalhães transformou estes contratos em títulos de propriedade, dando origem a disputas judiciais que duraram décadas. Em 2012, após muitos conflitos e assassinatos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela nulidade de tais títulos.
Após 82 anos, Marcellino, que não teve direito a um julgamento justo, a Defensoria Pública do estado da Bahia realizou um júri simulado (20/04/2018) para oferecer simbolicamente a assessoria que nunca teve, pois ao ser preso, nunca mais se soube de seu destino. Como resultado do júri simulado, Marcellino foi absolvido.
Sobre o episódio, Casé Angatu, afirmou ao índios on-line:
“Aceitamos participar porque esta é uma forma também de colocarmos em questionamento às leis, justiça e o estado brasileiro que continua a nos criminalizar e não Demarcar nosso Território. Nossa participação é para demonstrar o quanto historicamente os Povos Indígenas, bem como o Povo Negro e o Povo Pobre, são injustiçados pelas leis, justiça, estado e por aqueles que estão à sua frente. O estado, a justiça e as leis brasileiras, na nossa compreensão, possuem caráter racial e classista. Muitos de nossas/nossos foram e estão presos.”
O ditado popular afirma que a lei tarda, mas não falha, mas não se aplica aos povos indígenas, pois, para eles, a justiça sempre falha porque tarda.
REFERÊNCIAS E FONTES:
ANGATU, Casé. Caboclo Marcellino. Índios On-line: Bahia, 2018.
LINS, Marcelo da Silva. Caboclo Marcellino. Rio de Janeiro: O Brasis e suas Memórias/Museu Nacional, 2016.
PRÉZIA, Benedito. História da Resistência Indígena. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
IMAGENS:
LINS, Marcelo da Silva. Caboclo Marcellino. Rio de Janeiro: O Brasis e suas Memórias/Museu Nacional, 2016.
[1] Doutor em Educação pela UFSCar. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
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