KURUPI

Sousa, N.M.[1]

O kurupi, kuru-pire ou kurupira é um personagem da literatura guarani do Paraguai e norte da Argentina. Quinto filho monstruoso de Taú, o espírito do mal, e Keraná, a deusa do sono.

Trata-se de um ser, Póra, de corpo forte, de grande falo e associado à sexualidade. É representado como personagem muito feio, coberto de feridas, cabelo despenteado, dentes pontiagudos e de aparência sombria. Vive dentro das matas densas e seu sinal são as gargalhadas e gritos malévolos. Sai das matas para violar homens e mulheres, além de devorá-los.

É um personagem legendário bastante conhecido nas regiões onde predomina a língua guarani no Paraguai, Argentina e Brasil.

Consideramos a mitologia uma narrativa fundadora do pensamento filosófico. Sua veiculação atende várias funções sociais, que transformam o caos em cosmos, e históricas, pois reafirmam de marcadores identitários, diferenciadores de um grupo em relação aos demais, conservando sua memória oral e prescrevendo modelos comportamentais.

Este personagem, indutor de de comportamento moral, está conectado com vários outros nas narrativas indígenas coletadas por Leon Cadogan (1959), Kurt Nimuendaju (1987) e Pierre Clastres (1959). Em primeiro lugar, seu espaço-temporal é a noite, especialmente as de lua cheia, quando atormenta homens e animais.

Como ser da escuridão, é antagonista do criador, Nhande Ramõi Jusu Papa, que carregava a luz em seu grande coração, chamado nos cantos religiosos Guarani-Mby’a de Nhanderu Py’a Guasu.

A escuridão, símbolo do mal, produzida pela Urukure’a, é representada na cosmologia guarani por Mbopi Karu. Este morcego devorador é contido dentro da casa, Okarusu, onde moram Nhande Ramõi Jusu e Nhanderu, no sol nascente.

Antes da criação da primeira terra, Yvy Tenonde, havia as trevas originárias, onde reinava Urukure’a, a Coruja. Em meios às trevas originárias do caos, o criador desdobrou, nhanduá, com sabedoria, mba’e kua’á, um esteio, yvyrá joasá, a partir do qual constituiu e estendeu a terra, ergueu o firmamento, separou os ventos e trouxe a água a partir do Jasuka, o princípio vital. Seu trabalho foi concluído antes da primeira primavera, o tempo novo da nova terra.

A coruja, chamada também de Guaruje pelos kaiowá, habita um buraco no céu, semelhante a um buraco negro, segundo o nhanderu kaiowá Nelson. As demais corujas terrestres, imagens (taangá) da originária, são portadoras de notícias de mau agouro, infortúnios ou Mba’ê Meguá.

O Pombero, segundo os relatos, circula fora das cidades e nos boques, é musculoso, peludo, sedutor e provocador de alvoroço entre os animais durante a noite. Tem vários nomes: Pyrague (Pés Peludos), Karai Pyhare (Senhor da Noite), Kuarahy Jára (Dono do Sol) e Chopombê (Dom Pombero). Aprecia tabaco, mel e aguardente e pode fazer o bem ou o mal, dependendo do comportamento humano. Não se pode gritar o seu nome, falar mal dele, nem pela internet, não se deve chamá-lo à noite e nem assoviar, pois isso atrai sua ira. Costuma rondar mulheres grávidas, pois acredita ser o pai e pode raptar bebês pequenos que ainda não foram batizados.

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

CADOGAN, Leon. Ayvu Rapyta. São Paulo: USP, 1959.

CLASTRES, Pierre. A Fala Sagrada. São Paulo: Papirus, 1990.

Colmán, Narciso Rosicrán. Ñande Ypy Kuéra (nossos antepassados).  San Lorenzo: Imprenta y Editorial Guarani, 1937.

MARSAL, Carlos Villagra (org). Mitos y Leyendas del Paraguay Mestizo. Asunción: Diario Popular, 2010.

NIMUENDAJU, Kurt. As Lendas da Criação e Destruição do Mundo como Fundamento da Religião dos Apapocúva Guarani. São Paulo: Hucitec-USP, 1987.

SOUSA GUARANI, Teodora et all. Ka’aguy Póra’i. Dourados: EdUFGD, 2018.

 

IMAGENS:

Kurupi: Mi.toys, Folklore Paraguayo, Artesanías.

[1] Pesquisa e organização. Doutor em história da educação pela UFSCar. Karai Nhanderova’igua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com

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