As histórias mais significativas e universais são aquelas que contam eventos particulares, da própria aldeia. Nada é mais universal que a singularidade. A narrativa do eclipse é uma destas histórias.

O etnólogo León Cadogan registrou uma destas explicações dos Mbyá-Guarani do Guairá, que foram publicadas pela Universidade de São Paulo em 1959.

O relato começa assim:

Nande Ru Pa'i ta'y oikovy. Gua'y ombojepyéi pira o'uche rã, a'e ramo piky omano mba, omono'o a'e o'u. A rire oú Charia.

Nosso pai, Nhanderu, já tinha filhos. Fazia que seu filhinho lavasse os pés no rio quando queria pescado. Ao fazer isso, os peixes morriam, eram recolhidos e serviam de alimento.

Pai e filhos chegaram ao lugar onde Charia, um personagem maléfico, pescava mas não obtinha peixes. O agente de saúde kaiowá, Samuel Aquino, da Aldeia Panambizinho, relata uma história semelhante, protagonizada pelo Anhã, o diabo.

Charia disse a Nhanderu: - empresta-me seu filho, pois também quero comer peixes. Então o Anhã levou o filho de Nhanderu ao bosque, o golpeou na cabeça e o arrastou até o rio. Fez com o Sol o mesmo que se faz com o cipó timbó até hoje nas pescarias.

Charia matou o filho de Nhanderu, que ficou encolerizado, e lutou com o diabo. Travaram grande luta os dois e, ao final, Nhanderu venceu e levantou seu filhinho novamente.

Ndaipoakái Charia, opu'ã jevy Kuarahy.

Até hoje os eclipses do sol ocorrem quando Charia tenta novamente matá-lo.

 

REFERÊNCIAS E FONTES:

CADOGAN, Leon. Ayvu Rapyta: textos míticos de los Mbyá-Guaraní del Guairá. São Paulo: USP, 1959.

CLASTRES, Pierre. A fala Sagrada: mitos e cantos sagrados dos índios guarani. Campinas: Papirus, 1990.

NOTAS:

  1. Pesquisa, organização e adaptação: Neimar Machado de Sousa, doutor em história da educação (UFSCar) e pesquisador (FAIND/UFGD). Karai Nhanderovaigua. E-mail: neimar.machado.sousa@gmail.com
  2. O artigo tem objetivo educacional e formato adaptado às mídias sociais.
  3. A grafia adotada para as palavras indígenas segue as fontes consultadas.
  4. METADADOS: charia, timbó, anhã.
  5. IMAGEM: GUARANI E KAIOWÁ, Professores e alunos. Mymbañarõnguera. Amambai, MS: Ação Saberes Indígenas na Escola, 2018.

Tags: anhã, charia, timbó

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