A centralização administrativa que se processou na história política do ocidente, por ter sido de longa duração, do ponto de vista cronológico, dá a impressão que há uma única forma de organização política e jurídica da sociedade. As consequências nefastas deste paradigma nos quebrantam até hoje. Os pensamentos abissais são do tipo: uma nação, uma língua; uma nação, uma identidade, uma classe política, estabelecida numa única capital, que controla todos os recursos financeiros e vigia militarmente a identidade. Com as sociedades indígenas não seria diferente, pois foram submetidas ao Estado deste o século XVI. Naquela época, a modernidade europeia transformou-se em colonização na América.

Na década de 80, ainda durante o regime militar, apesar de suspeitas de infiltração comunista, de acordo com os autos da assessoria de informação, instalada dentro da FUNAI, o movimento indígena ganhou a força de um rio que desaguou na Constituição de 1988. Desde então, embora em cargos menores bem longe do poder de decisão, os povos indígenas têm ocupado espaço nas escolas indígenas, como professores, e nas universidades, como estudantes. Assim, boa parte daqueles antigos militantes tornaram-se vizinhos distantes do governo.

As benesses do poder, que se apresenta como público, são colocadas sob suspeita pelos educadores indígenas quando constatam que, mesmo com direitos constitucionais e tapinhas nas costas de membros dos três poderes, dois terços de suas escolas indígenas não tem sequer prédio, ficando as crianças estudando ao relento, abrigados apenas pelas árvores, fazendo jus ao adjetivo preferido da senadora amiga dos índios: silvícolas.

Como alternativa para não se conformarem com o conquistado e desistir da utopia, os professores indígenas convocaram seus parentes professores e indigenistas para avaliar as políticas públicas para educação escolar indígena no país. Responderam ao chamado à Brasília, mais de cem professores, representantes de dez estados brasileiros. Discutem a desgovernização do movimento indígena. Explicam que não se trata de uma posição anti-governo, mas de uma organização independente que não dependa de ser convocada pelo Estado para discutir suas próprias pautas e demandas.

A atividade foi chamada de I Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena e está, neste momento, reunida no Centro de Formação Vicente Cañas. Os desdobramentos, objetivos, documentos e decisões estão em elaboração. A expectativa é grande, pois destacam que o Estado brasileiro tem falado muito em formação de professores indígenas, mas se esquece dos formadores de formadores. Afirmam a necessidade de uma ação articulada em uma Universidade indígena que vá além das licenciaturas que resistem nas universidades. Posicionam-se contra o aceno do governo de extinguir a única secretaria dentro de Ministério da Educação que trata da diversidade, inclusão e diversidade, a SECADI. Tudo em nome do ajuste fiscal que não respeita a pátria que precisa ser educadora.

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* Neimar Machado de Sousa, Karai Maragnatu Nhanderovai’igua, é membro da Comissão Regional Justiça e Paz, doutor em educação pela UFSCar e professor na Faculdade Intercultural Indígena - FAIND/UFGD, em Dourados - MS. Coordena o Serviço de Documentação e Informação sobre os Povos Indígenas.  E-mail: neimarsousa@ufgd.edu.br

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