Neimar Machado de Sousa[1]
Arquitetura da Destruição (1992) é um documentário sueco, produzido por Peter Cohen, considerado um dos melhores estudos sobre o Nazismo. Lembra que chamar Hitler de artista medíocre não elimina os estragos causados por sua estratégia de conquista universal. O arquiteto da destruição tinha grandes pretensões e queria dar uma dimensão absoluta à sua megalomania. O nazismo tinha como princípio fundamental embelezar o mundo, nem que para isso tivesse que destruí-lo. A produção longa de duas horas, além de induzir a narcolepsia em meus alunos, desenha o imaginário de Hitler e de seus colaboradores mais próximos. Analisa como a propagandas, as universidades, a opinião pública foi manipulada pelo regime até que aceitassem a solução final: a morte dos indesejáveis, de maneira indolor e científica, mediante gás, dos “parasitas” humanos. O veneno gasoso utilizado era comercializado sob o nome de Zyklon B. Ciclone em alemão. Sua base era cianeto, cloro e hidrogênio. Inicialmente, a partir de 1924, seu uso estava voltado para combater piolhos e tifo ou seja, higienizar o corpo do povo alemão. Com a ajuda do cinema, a população civil foi levada a crer que higienizar o corpo era o mesmo que limpar a sociedade das pessoas consideradas sujas. Assim, foram alistados na ideologia nazista artistas e cineastas que conduziram várias campanhas com o objetivo de associar os judeus do Gueto de Varsóvia, na Polônia invadida, a estas pragas, piolhos e pulgas. A conclusão indicada era de que os judeus, testemunhas de jeová, ciganos, homossexuais, portadores de necessidades especiais e soldados alemães invalidados nas frentes de batalha deveriam ser eliminados para construir uma nação pura e superior.
No Brasil, um dos defensores destas ideias é deputado federal, eleito pelo PP/RS, Luiz Claudio Heinze. Ele afirmou,, durante audiência com a bancada ruralista que os indígenas, quilombolas, homossexuais e lésbicas formam o grupo de tudo o que não presta, conforme registrou a Revista Fórum, de outubro de 2014. Esta afirmação não é isolada e encontra eco nos discursos de 131 deputados, indicando uma escalada fascista no parlamento brasileiro cuja meta é capitalizar para projetos políticos totalitários os votos de eleitores racistas e preconceituosos. A estratégia deste bloco político tem se mostrado eficiente, pois o próprio Luiz Claudio Heinze foi o deputado federal pelo Rio Grande do Sul com o maior número de votos, nas últimas eleições, agremiando 162 mil apoiadores.
Como podemos observar, a ideia de que quanto menor a diversidade étnico-racial, mas desenvolvida será a sociedade não foi sepultada no bunker de Hitler, durante a invasão russa em Berlim em 1945. Um dos lugares onde ela foi vista andando nos primeiros dias de janeiro de 2016 foi em na aldeia Te’ýijusu, no município de Caarapó – MS.
Os moradores da comunidade, a maioria mulheres e crianças, relataram e gravaram em vídeo um objeto voador identificado como avião agrícola, pulverizando a aldeia com inseticidas contra lagarta, fabricados por empresas como BASF e Bayer, no dia 29 de dezembro.
As semelhanças entre a pulverização de veneno e o uso de gás para extermínio em massa na Alemanha nazista são muitas.
1. A população alemã foi levada a crer que se os diferentes não fossem eliminados, a economia do país ruiria. No Brasil, políticos eleitos e altos funcionários do executivo ligados à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) têm, ao invés de representar, organizar e fortalecer os produtores rurais brasileiros, investido recursos para influencias a política nacional agrícola e para convencer a população brasileira que os indígenas, quilombolas e camponeses sem terra são um risco à produção de alimentos, à economia e a segurança alimentar do povo brasileiro.
2. As execuções perpetradas pelo partido nazista, em nome do Estado alemão, eram assinadas por um responsável técnico, no caso, um médico que, inseguro, sempre falsificava o nome. A família da pessoa executada pelo Estado recebia uma correspondência comunicando que, infelizmente, seu membro faleceu em alguma instituição pública como, por exemplo, sanatório, asilo, hospital, apresentava as condolências e dava ciência que o corpo, por razões sanitárias foi cremado. Os agrotóxicos pulverizados sobre o povo Guarani e Kaiowá representado pela comunidade de Te’ýijusu e Apykai também tem assinatura de responsável técnico e destinam-se ao fim nobre de aumentar a produção de alimentos. Nas últimas décadas estes compostos químicos foram batizados com nomes menos pagãos como Zyklon para outros menos ofensivos à opinião pública: defensivos agrícolas e agroquímicos. As estatísticas em saúde pública do Ministério da Saúde (2015) apontam que a mortalidade infantil indígena em áreas de acampamento, como este da foto, Te’ýijusu, pulverizado com o Defensivo, é superior à média nacional em mais de 200%.
Por fim, é preciso lembrar das ideias de história do prof. Robin Georg Collingwood, quando nos esclareceu que a crença na racionalidade do presente funda-se no registro e análise da origem. Para o historiador britânico, este é um dos princípios que norteia nossa maneira de ver o mundo e o tempo. Deste modo, é possível pensar que a arquitetura da destruição, perpetrada pelos nazistas a partir de 1939, foi modernizada na região centro-oeste do Brasil como Agricultura da Destruição.
[1] Neimar Machado de Sousa, Karai Guaiguingue, na língua kaiowá, e Karai Marangatu Nhanderova’iguá, na língua guarani, é membro da Comissão Regional Justiça e Paz, doutor em educação pela UFSCar e professor na Faculdade Intercultural Indígena - FAIND/UFGD, em Dourados - MS. Coordena o Serviço de Documentação e Informação sobre os Povos Indígenas. E-mail: neimarsousa@ufgd.edu.br
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