As cosmologias, as teogonias e as antropogêneses indígenas vinculam o rico repositório filosófico familiar aos grandes temas literários americanos. As histórias mais universais são as contadas em sua aldeia, escreveu Homero na Ilíada.
A região de Amambai, Mato Grosso do Sul, Brasil, onde vivem mais de 12 mil indígenas Guarani e Kaiowá em quatro aldeias, produziu cinco versões registradas e traduzidas do Mito dos Gêmeos por Wilson Galhego e Aniceto Ribeiro na década de 1970. Esta epopeia, que conta a antropogênese e a conclusão da criação pelo Sol e seu irmão menor, a Lua, foi iniciada antes da existência do próprio tempo (ára), inaugurado pelo criador Nhande Ramõi Jusu Papa.
As versões compiladas foram contadas pelos Kaiowá João Aquino, Cirilo Rossate, Andreza Suza, Rosalina Medina e Aguelita. Como era de esperar, o Mito continua sendo contado pelos professores indígenas nestas aldeias, inspirado livros, ilustrações e outros recursos para o letramento das crianças.
O ancião Cirilo Rossate contou que nasceu perto do Rio Paraná, numa aldeia chamada Mbarakay, que deixou com sua mãe após a morte do pai. Na época em que narrou sua versão em Amambai tinha 83 anos de idade. Sua história começou assim:
Dizem que o Sol (Pa’i Kwará), aquele a quem chamamos de Sol, é assim: Nosso pai se fez como morto. Nhande Ru araka’e omano gwa’u araka’e. Ele agiu assim para que os povos vivessem como se ele tivesse deixado o mundo. Nosso Pai agiu assim para que o povo tivesse o seu próprio jeito.
E então, Nosso Pai (Nhande Ru) fingiu estar morto e foi nos deixando. Hoje chamamos de Nhande Ramõi (Nosso Avô) o pai do Sol, Pa’i Kwará. E então este Pa’i Kwará ficou se estivesse abandonado, gwaxo, ainda no ventre de sua mãe, onde estava junto de seu irmão menor, a Lua. Pa’i Kwará, o Sol, e a Lua, Jasy, vivem como dois irmãos, mokõi.
A mãe disse ao Sol: - ja segi nde ru! Vamos seguir seu pai. Pa’i Kwará já falava no ventre de sua mãe, isy ry’epe. A mãe disse: - vamos seguir até chegar onde está o seu pai. Pa’i Kwará falava com sua mãe: - ele foi por aqui! Observando as penas de loro deixadas pelo seu pai para indicar o bom caminho, tapê porã. Enquanto caminhavam, Pa’i Kwará pedia muitas flores à sua mãe para brincar com elas.
Uma flor muito bonita foi a que mais agradou ao sol, mas como a mãe já estava muito cansada e não colheu para ele, entristecendo o sol. Por esta razão, esta flor é conhecida como a Flor do Sol, Pa’i Kwará Ivoty, o Girassol.
Em razão de sua tristeza, o sol seguiu mais um pouco e disse à sua mãe: - vamos por aqui! Este caminho levou às onças que comeram a mãe dele. Aquele caminho era a direção da casa do antepassado das onças, jagwa ypy.
Pa’i Kwará tinha ficado muito bravo por aquela flor, onhmoyrõ ma pe yvoty Pa’i Kwara, e levou sua mãe pelo caminho que chegava à aldeia das onças, ogweraha osy ogwahê aipo jagwa rypy rapepe, disse o sr. Cirilo Kaiowá.
REFERÊNCIAS E FONTES:
AQUINO, João. Mito dos Gêmeos. Tradução de João Aniceto. Compilado por Wilson Galhego Garcia. Araçatuba: Faculdade de Odontologia, 1975.
CASTRO, Eduardo Viveiros de. 104 Mitos Indígenas Inéditos na Obra de Kurt Nimuendajú. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. N. 21, 1986.
Clastres, Pierre. A fala sagrada.Campinas: Papirus, 1990.
Garcia, Wilson Galhego; Ribeiro, Aniceto. Cinco versões dos mitos dos gêmeos entre os Kaiová, Terra Indígena, n. 82: 11-201. out 2000.
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