A ema é a maior ave brasileira e, apesar das asas enormes, não voa. Uma delas foi morar no céu, na constelação das Plêiades, segundo os tupi-guarani que lhe deram o nome nhandu, referência ao som de seu canto, “nan-du”.
A corrida desajeitada para se equilibrar inspirou uma coreografia de resistência terena masculina, a HIYOKENA KIPÂE. A Dança da Ema ou Dança do Bate-Pau, nome pelo qual também é conhecida, segue sendo discutida em seus significados pelos pesquisadores e anciãos do povo terena, um dos maiores grupos étnicos brasileiros com aproximadamente 30 mil pessoas. Esta sociedade, organizada segundo um padrão matrilocal, é representada pelos seus guerreiros nesta dança, constituindo-se em duas metades complementares: Xumonó, os guerreiros, e Sukirikionó, os negociadores. A dança-luta é também treinamento de resistência dos homens chefiados pelos seus caciques, os naati. Na coreografia, cada uma das duas colunas (a vermelha e a azul ou preta e vermelha) tem à frente o seu cacique.
A pena da Ema está presente nos instrumentos rituais dos xamãs, os Koixomoneti, especialmente no chocalho, o itaaká, e na vestimenta dos dançarinos. A dança masculina, inspirada nos movimentos da Ema, é um ato cultural que traz o indivíduo para o grupo e simula o confronto das duas metades contra os inimigos. Sua apresentação está relacionada ao fim da colheita e início do inverno, marcada pela posição da constelação da Ema no Céu.
As professoras e pesquisadoras terena Lidimara Francisco, Noemi Francisco, Francelina Souza, Florinda Souza, Celia Reginaldo Faustino e Cristiane Machado da Silva e muitas outras trabalham no registro desta dança em um livro didático para uso nas escolas indígenas da Reserva de Dourados, MS, Brasil. O estudo dos passos desta dança podem fortalecer o ensino da história e cultura do povo terena nas escolas indígenas da aldeia onde moram, onde residem pelo menos dois mil terena.
Segundo o relato coletado pelas professoras, o xamã, Koixomoneti, estava dormindo quando teve um sonho no qual um espírito o levou até a floresta. Lá, ouviu uma voz dizendo que o povo terena usaria a pena da Ema em todos os momentos de sua vida e nos trajes de sua dança. Foi este espírito quem lhe ensinou os passos da dança e depois levou-o de volta à sua aldeia, onde reuniu os homens num lugar sagrado e lhes ensinou a dançar.
A dança, praticada em Dourados pelo grupo Tradição Terena, começa com coreografia do Tuiuiú, passos compassados, lentos e silenciosos, preparando a defesa do território. Após esta etapa, o grupo é atacado pelos inimigos com bordunas e os enfrenta, colocando-os dentro do círculo, enquanto os que conseguem fugir são feridos com grandes flechas à distância. Ao fim da batalha, os guerreiros se reagrupam e comemoram levantando o líder para dar o grito de vitória: Honoyo! Honoyo! Honoyo!
Personalidades ilustres que contribuíram com a comunidade terena também foram levantadas ao final desta dança como homenagem. O antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira e o historiador Antonio Brand receberam a honraria.
O surgimento da constelação da Ema aparece ao anoitecer no lado leste é o sinal de que inverno está começando. Na ponta de sua cabeça também aparecem duas estrelas, que são associadas a ovos de outros pássaros prestes a serem devorados. Segundo uma lenda, registrada pela pesquisadora Naine Terena (2007), esta grande Ema observa a terra e os homens. Quando o céu cair, ela também cairá na terra e devorará os olhos do homens. Enquanto os pajés cantarem isto não ocorrerá.
Praticar esta dança é recriar a sociedade mediante o vínculo ancestral. A coreografia é bastante ensaiada e apresentada todos os anos nas festas sob o acompanhamento de dois músicos com tambor e flauta pife. Quando a dança é pequena, a festa não é boa, dizem os mais velhos. Além da ornamentação com as penas da Ema, os praticantes da dança são ornamentados com a pinturas do olho da ema e listas azuis e amarelas, podendo haver variações locais nas cores e materiais das vestimentas.
A Dança da Ema continua sendo atualizada pelos terena e levada adiante por muitos terena, de vereador a professor. Um destes guerreiros, também advogado, passará pelo rito final de uma longa caminhada intelectual, pois defenderá a tese de doutoramento em antropologia no Museu Nacional no próximo dia 11 de março. O tema será “Vukapanavo: o despertar do Povo Terena para os seu Direitos”. Xunáko, dr. Luis Eloy.
REFERÊNCIAS E FONTES:
AMADO, L. E. Poké’exa Ûti. UCDB, 2014.
JESUS, N. T. Kohixoti-Kipáe. UnB, 2007.
Valério, G. F.; FRANCISCO, N. Hiyokena Kipâe. Dourados, 2018.
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