Os vírus estão entre os primeiros seres da terra, mas não são seres vivos como nós, pois precisam infectar células de outros seres para replicarem. O primeiro corona vírus, de uma família de sete com capacidade de infectar seres humanos foi isolado em 1937. São uma grande família viral (figura 01), bem conhecida desde os anos 1960, mas que somente em 1965 recebeu esse nome por ter forma microscópica de uma coroa.

Os sintomas de quem adquire este vírus são um resfriado simples como febre, tosse e fadiga, podendo ocorrer também perda de apetite, dificuldade de respirar, diarreia, perda de olfato e paladar. A família (figura 04) destes vírus é responsável por cerca de um terço de todas as infecções gripais. A maioria das pessoas se infecta com alguns destes vírus ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas. São sete os corona vírus conhecidos por infectarem seres humanos e sua característica é serem de origem animal, por isso são chamados de zoonóticos.

No século XX, ocorreram vários episódios de pandemias causadas por estes vírus que ganharam, mediante mutações, a capacidade de infectarem seres humanos como aconteceu com a chamada Gripe Espanhola em 1918, que se espalhou a partir dos EUA, onde um destes vírus adquiriu, mediante uma mutação genética, a capacidade de infectar seres humanos.  

A disseminação de epidemias entre os seres humanos é inevitável, pois nosso sistema econômico implica desmatamento, ampliação de fazendas e cidades, impõe a migração dos animais silvestres sobreviventes a convivência próxima dos humanos nos centros urbanos, além da criação de animais no sistema de confinamentos e a aglomeração cada vez maior de pessoas em grandes centros, facilitando assim o contágio e a contaminação acelerada de microorganismos.

Os primeiros relatos desta síndrome respiratória causado por um corona vírus (SARS-CoV) são da China em 2002. O SARS-CoV se disseminou rapidamente para mais de doze países na América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia, infectando mais de 8.000 pessoas e causando aproximadamente 800 mortes, antes da epidemia global de SARS ser controlada em 2003. Desde 2004, nenhum caso de SARS tinha sido relatado mundialmente, até 2019, quando o SARS-CoV-2 foi identificado como causa de outro surto, o atual, chamado de COVID-2019.

O padrão de difusão destas infecções indica que os surtos começam nas regiões mais ricas, mais globalizadas, onde residem pessoas que circulam pelo mundo, e rapidamente se alastram destes locais para os mais pobres, sendo mais letal entre estes pela concentração dos recursos e serviços no socorro dos mais ricos, esclarece Katia Maia, da OXFAM Brasil (2020). Não há cura, não há vacina, não há dúvida que estará disponível primeiro aos que puderem pagar por ela.

Em 2012, foi isolado outro novo corona vírus, distinto daquele que causou a SARS no começo da década passada. Esse novo corona vírus era desconhecido como agente de doença humana até sua identificação, inicialmente na Arábia Saudita e, posteriormente, em outros países do Oriente Médio, na Europa e na África. Todos os casos identificados fora da Península Arábica tinham histórico de viagem ou contato recente com viajantes procedentes de países do Oriente Médio – Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Jordânia e, por isso, a doença passou a ser designada como síndrome respiratória do Oriente Médio, cuja sigla é MERS, do inglês “Middle East Respiratory Syndrome” e o novo vírus nomeado corona vírus associado à MERS (MERS-CoV).

O corona vírus atual identificado na China e que causa problemas respiratórios é denominado de SARS-CoV-2, que causa uma síndrome chamada de COVID-19, sigla em inglês para “coronavirus disease 2019” (doença por coronavírus 2019). O vírus Sars-CoV-2 pode causar insuficiência respiratória como a síndrome respiratória aguda grave que ficou conhecida pela sigla SARS da síndrome em inglês Severe Acute Respiratory Syndrome.

Dos infectados, 80% se recuperam sem sequelas, 15% precisam de oxigênio e 5% de ventilação mecânica, daí a necessidade matemática do *distanciamento social* para evitar o colapso do sistema público de saúde mediante o aumento exponencial das infecções. A *quarentena* é a medida indicada para os casos suspeitos de infecção e o *isolamento* para os casos confirmados.

O novo corona vírus pode causar pneumonia grave, dificuldades na respiração, falência dos órgãos e morte. Idosos e portadores de doenças crônicas são considerados pelas autoridades sanitárias como grupos de riscos, pois as estatísticas no EUA indicaram que 75% das pessoas infectadas já possuíam algum problema de saúde.

Os sintomas da doença podem se manifestar de 2 a 14 dias (período de incubação) depois de contrair o vírus. Cientistas acreditam que o vírus foi adquirido do Pangolim, um animal que teria sido infectado por um morcego e um humano, gerando um vírus com a capacidade de nos infectar, pois o DNA do vírus encontrado neste animal é 99% idêntico ao vírus encontrado no ser humano. A COVID-19 não veio, portanto, de uma sopa de morcego na China, onde este prato é proibido, muito embora o efeito social da epidemia desta epidemia é o fortalecimento do preconceito, difusão de conteúdos falsos nas mídias sociais e aumento da clarividência de alguns políticos.

Segundo New England Journal of Medicine, o corona vírus SARS-Cov-2 consegue sobreviver até 3 dias em superfícies, como plástico ou aço. Nas gotículas de espirro sobrevive até 3 horas por serem mais leves que o ar. A negação dos líderes políticos do Irã, EUA, Inglaterra e Brasil não foi capaz de barrar a avanço da epidemia, portanto, para vencê-la, é necessário prevenir com reforço das medidas de higiene, distanciamento e etiqueta social.

A cloroquina, embora ainda sejam necessários testes e estudos mais amplos, é uma das 69 drogas em teste para o tratamento da COVID-19. Esta substância foi isolada pela indústria farmacêutica a partir de plantas utilizadas pelos povos indígenas para tratamento da malária. Seu uso, porém, não é seguro e pode causar envenenamento. Bill Gates, anunciou, mediante sua fundação o início dos testes de uma vacina, mas é pouco provável que esta terapia esteja acessível antes de um ano, indicando a necessidade da continuidade das medidas de distanciamento.

A COVID-19 também mostrou mais claramente o resultado do desinvestimento dos sistemas de saúde pública no mundo todo, embora houvessem alertas de que uma nova epidemia era iminente. Mesmo alertados pelas autoridades da Organização Mundial de Saúde (WHO-OMS), muitos países priorizaram investimentos militares como, por exemplo, os EUA, cujo orçamento militar é trilionário, ressaltou o ex-presidente Jimmy Carter.

No Brasil, onde o número de mortos ultrapassou os da China, observou-se uma taxa de mortalidade três vezes maior nos bairros mais pobres, revelando a desigualdade social em nosso país, reproduzindo uma situação observada nos EUA também, onde a taxa de mortalidade por COVID-19 foi mais alta entre os negros em função da falta de assistência em saúde pública e gratuita para esta população que não tem condições de pagar por tratamentos médicos.

Os dados dos cartórios brasileiros, compilados dos atestados de óbito, apontam um aumento de 1035% nos meses de março e abril, em comparação com o mesmo período do ano de 2019, para o número de mortes por síndrome respiratória grave. Segundo o governo brasileiro, muitas mortes por insuficiência respiratória podem ser atribuídas ao COVID-19, pois o país não realiza testes suficientes. Em contrapartida, Paulo Lotufo, infectologista da USP, destaca que o número de mortes por COVID-19 ainda pode estar subestimado a uma taxa de 168%, pois este vírus não afeta somente os pulmões, mas também o coração, o cérebro e outras partes do corpo.

Outra das implicações da pandemia atual é a paralisação das aulas presenciais e as dificuldades da maioria dos estudantes em continuar estudando, mediados pelas tecnologias educacionais, pois uma grande maioria não tem acesso a computadores ou smartphones com boa conexão à internet. Somente no mês de março, a UNESCO, órgão da ONU para educação e cultura, contava quase 300 milhões de alunos foram afetados em 22 países de três continentes, que ficaram em casa.

No Mato Grosso do Sul, município de Dourados, há a área indígena mais populosa do país, onde mais de 18 mil pessoas vivem confinados em áreas e condições inadequadas à sua sobrevivência. As vulnerabilidades sociais e demográficas nestas aldeias indicam um alto risco para infecção e complicações por Corona Vírus nestas áreas. Este risco é estatisticamente aferível, pois 0,5% dos óbitos por COVID-19 segundo a cor ou raça informada era de pessoas declaradas indígenas (Boletim Especial 10 Ministério da Saúde), enquanto o Censo Demográfico 2010 apontou um percentual inferior - 0,4% - da participação das pessoas indígenas na distribuição da população por cor ou raça no Brasil. Este número pode ser maior, pois numa amostra de 1631 óbitos em investigação, 654 tinham a variável raça ou cor ignorada.

Nas aldeias de Dourados há um grande número de pessoas indocumentadas vivendo em áreas de conflito que não foram reconhecidas pelo Estado brasileiro como indígenas e que em consequência disso não conseguiram cadastrar-se nos programas emergenciais do governo brasileiro para acesso ao chamado corona voucher. A falta de alimentos já se faz sentir, pois os poucos trabalhos temporários que estas pessoas conseguiam nas residências e em fazendas nos arredores da cidade, com as medidas de fechamento do comércio, cessaram impondo a elas e a seus filhos a fome dentro de áreas irregulares e vigiadas por seguranças particulares.

A tuberculose é um dos fatores que aumentam a vulnerabilidade nas aldeias de Dourados à COVID-19, há as doenças respiratórias, segundo lideranças e profissionais de saúde como o médico Zelik Trajber, mencionando especificamente a tuberculose.

Os estudos epidemiológicos indicam que as epidemias se alastram mais rapidamente entre os povos indígenas em diferentes regiões do mundo, tendo em vista sua desvantagem econômica e as consequências sociais e em saúde. Apenas no ano de 2011, havia 80 casos diagnosticados de tuberculose em Dourados e pelo menos uma centena de pessoas com os quais mantinham contato frequente com estes pacientes.

Este quadro de saúde é mais preocupante ainda, pois faltam testes rápidos, equipamentos de proteção individual e equipe suficiente para fazer este monitoramento nas unidades de saúde na reserva indígena de Dourados. A reserva indígena de Dourados não é a única área com risco considerado alto à COVID-19. A título de exemplo, menciona-se a situação da Aldeia Bananal, no município de Aquidauana, onde há 30 famílias sem água há um mês, segundo relato publicado na Gazeta Trabalhista de 28/0/2020 (figura 05).

De acordo com Dionedson Terena, “fica impossível se realizar as medidas higiênicas de precaução contra o coronavírus, já que necessitam do recurso hídrico para lavar as mãos, tomar banho e realizar a limpeza geral. O problema afeta principalmente os idosos que fazem parte do grupo de risco pela baixa imunidade e que enfrentam dificuldades de deslocamento (figura 06). A responsabilidade neste caso é do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), que ainda não conseguiu solucionar o problema, informou Dionedison Terena.

Em Dourados, os membros do conselho local de saúde, entre eles Fernando Souza, da etnia terena, acrescentam entre as variáveis que aumentam o fato de risco à COVID-19 nas aldeias de Dourados a falta de habitações adequadas (figura 02), a deficiência nutricional e a falta de água (figura 03), resultado do confinamento em pequenas áreas e dependência do fornecimento de cestas básicas do governo.

A enfermeira indígena Indianara Machado denuncia que “apesar do alto grau de vulnerabilidade, índios não estão no grupo de risco do Ministério da Saúde o que faz com que fiquem sem políticas públicas específicas voltadas para a comunidade”.

A falta de estrutura dentro da reserva indígena obriga seus moradores a se deslocar para a cidade em busca de atendimento médico, compra de alimentos, entre outros que impedem o isolamento social. Destaca a falta de água e saneamento básico que são outros desafios ao combate ao novo corona vírus. Embora a reserva esteja a menos de um quilômetro de distância da cidade de Dourados (Figura 02), cerca de 30% de seus moradores não tem acesso à água.

Na cidade de Dourados, na data de 28 de abril já havia diagnóstico de 11 casos de COVID-19, o que levou ao cancelamento das festividades do Dia do Índio pelas lideranças indígenas. Dois fatos que preocupam bastante a comunidade indígena é a falta de transporte do Distrito Sanitário Especial (DSEI), polo de Dourados, para os casos de emergência.

Esta fragilidade levou o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União em abril de 2020 a recomendar à Secretaria Especial de saúde Indígena (SESAI) a adoção de medidas urgentes para garantir o atendimento o transporte dos indígenas que necessitarem de atendimento fora das aldeias, pois as unidades básicas de saúde não tem estrutura dos polos de saúde é apenas para atendimentos de baixa complexidade. O transporte foi interrompido pela falta de pagamento da SESAI à empresa responsável pela prestação do serviço.

A falta de profissionais de saúde para atendimento à população indígena foi agravada ainda mais neste mês de abril com o afastamento de 30 profissionais por estarem no grupo de risco à COVID-19, representando uma perda de 15% da mão-de-obra dos cerca de 120 profissionais. As visitas domiciliares encontram-se interrompidas e as comunidades indígenas no estado tem procurado cumprir as medidas de distanciamento, evitando a circulação de pessoas de fora nas aldeias.

Figura 01. Human CoronaVirus family. Fonte: Explicando o Coronavírus. Califórnia (EUA), 2020.

FIGURA 02. LOCALIZAÇÃO DA RESERVA DE DOURADOS. Laboratório de Geoprocessamento FCH/UFGD (2020).

 

figura 03. Jornal O Progresso Digital, 2020. Moradia na reserva de Dourados.

 

figura 04. O progresso DIGITAL. Famílias indígenas sem acesso à água. foto João Rocha, Arquivo.

 

Figura 05. Falta d’água na aldeia Bananal, aquidauana (MS)

 

Figura 06. idosa terena sem água na aldeia Bananal, aquidauana (MS)

 

FONTES: Laboratório de Geoprocessamento FCH/UFGD (2020); Franz Maciel Mendes (2020); Indianara Ramires Machado (2020); Teodora de Souza (2020); Fernando Souza (2020); Carlos Augusto Ferreira de Oliveira (Historiador, ITEO), Neimar Machado de Sousa (Professor de História, FAIND/UFGD); Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE/SP); www.nypost.com; Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ); Painel do Ministério da Saúde; Jornal O Progresso Digital (2020); Análise de Vulnerabilidade Demográfica e Infraestrutural das Terras Indígenas à Covid-19 (Caderno de insumos 2020); Gazeta Trabalhista (2020); Portal G1;

Tags: 19, COVID, indígena, saúde

Exibições: 27

Responder esta

© 2024   Criado por neimar machado de sousa.   Ativado por

Relatar um incidente  |  Termos de serviço